Parte II
Nesta 27ª postagem é
a continuidade da vassalagem dos governantes da Nova República, o regime do
crime.
Os usuários de crédito se equilibram |
Vamos aos números:
Jorge Barreto
Os bancos dão as cartas. |
O ininterrupto crescimento dos lucros
dos bancos constitui um seriado da categoria horror. Recapitulando: em
junho de 2011, publiquei o artigo “Os lucros dos bancos crescem sem parar”, onde
se lê:
“Nos oito anos de FHC, a média anual
de crescimento real dos lucros dos bancos foi 11%, acumulando 230% em oito
anos. De 2003 a 2007, ela foi 12%, acumulando 176% em 5 anos. De 2003 a 2010
os lucros dos cinco maiores bancos - Itaú, Banco do Brasil, Bradesco,
Santander e Caixa Econômica Federal - elevaram-se de R$ 11,1 bilhões para R$
46,2 bilhões, em sete anos. Elevação sustentada, à média de 17,7% ao ano,
ou seja, 313%. Em termos reais (correção pelo IPCA): 12,1%aa, acumulando
222%.”
Em artigo de março de 2010, “Brincando
à Beira do Abismo”, salientei a concentração no setor, já enorme em 2009:
“Apenas cinco bancos (Itaú,
Banco do Brasil, Bradesco, Santander e Caixa Econômica) somam lucro de R$
37,3 bilhões, superando o lucro total dos 31 bancos computados em 2007.”
Em 2011, os lucros desses cinco
bancos alcançaram R$ 51 bilhões: Itaú: 14,6; Banco do Brasil 12,1:
Bradesco: 11; Santander: 7,8; CEF: 5,2 bilhões.
Esse é só o “lucro líquido”. No cálculo deste as empresas usam técnicas
contábeis para deduzirem muita coisa do lucro real, aproveitando permissões e brechas da legislação tributária. O imposto
de renda só incide sobre aquele. Ademais, a alíquota do imposto é 15%, enquanto
as pessoas físicas que ganham acima de R$ 3.750 mensais, estão sujeitas à de
27,5%.
Há anos, assinalo que os bancos gozam
de vantagens mais que cartoriais: a garantia de lucros monopolistas para seu
cartel, uma vez que, juntamente com as grandes corporações transnacionais,
controlam o Estado.
Talvez por isso, não abusaram dos
derivativos, os detonadores do colapso financeiro mundial, que levou os
governos dos EUA e europeus a socorrer grandes bancos com dezenas de trilhões
de dólares e de euros.
A União Federal propicia aos bancos em operação no Brasil aplicarem em
títulos da dívida pública, para si próprios, o dinheiro dos depositantes,
auferindo os juros reais mais altos do mundo, há quase vinte anos. E o ganho
não vem só das taxas, mas também da dimensão do mercado desses títulos, cujo
crescimento se deu principalmente pela capitalização dos juros.
O estoque da dívida pública mobiliária
interna atingiu, em fevereiro último, R$ 1,760 trilhão, sem contar os títulos
em poder do Banco Central, os quais já somavam R$ 749 bilhões no final de
novembro de 2011. Também notável é o curtíssimo prazo médio desses títulos
(menos de quatro meses), o que implica rolagem quadrimestral da ordem de R$ 600
bilhões.
Além disso, as outras aplicações
rendem aos bancos taxas de juros que são múltiplos da SELIC, usada nos títulos
públicos, com margens fantásticas, como em empréstimos a empresas e a indivíduos
e, ainda maiores, nos cartões de crédito, tudo isso favorecido pelo Banco
Central. Este, ademais, admite tarifas por serviços bancários tão elevadas, que
lhes custeiam todos os custos administrativos.
Desse modo, o
crédito à economia produtiva fica mais por conta dos bancos públicos, à frente
deles o BNDES, seguido de Banco do Brasil, CEF e o Nossa Caixa, estadual, que
sobreviveu à razzia das privatizações. Mas o BNDES financia sobre tudo
transnacionais e outras grandes empresas, e os bancos comerciais públicos
atuam, cada vez mais, de maneira semelhante à de seus congêneres privados.
A mais escandalosa das privatizações,
a do BANESPA, assumido pelo estrangeiro SANTANDER, foi comentada extensamente
no artigo “Os lucros dos bancos crescem sem parar”, junho de 2011. Com a eliminação do BANESPA, dotado de
grande rede de agências, especialmente no interior de São Paulo, o
desenvolvimento desse Estado e do País foram grandemente prejudicados.
Um banco comercial é uma concessão
incrível, que lhe enseja criar moeda, fazendo empréstimos, só com lançamentos
nos computadores, em múltiplos dos depósitos, deduzidos os compulsórios junto
ao Banco Central. Ainda assim, dado que têm lucros altíssimos garantidos pelo
mercado dos títulos públicos, evitam os riscos dos empréstimos ao setor
privado.
Apesar disso, o crédito a empresas e
a pessoas físicas cresceu muito desde 2003, quando equivalia a 26% do PIB. No
final de 2011 foi a 49,1%, sendo 31,5% o estendido por bancos comerciais (16,3%
em 2003). O BNDES responde pelo grosso dos 17,6% restantes.
Especialmente
apreciável foi a expansão do crédito imobiliário, ajudada, a partir de 2005,
por mudanças na lei que facilitaram a tomada dos imóveis pelos bancos em caso
de inadimplência do mutuário. O
professor de finanças da USP de Ribeirão Preto, Alberto B. Matias aponta a
espantosa concentração nesse setor: “Em 1994, tínhamos 16 grandes bancos
privados de varejo. Sobraram dois.”
Há também, em
relação com os fatores comentados no artigo do último mês, “Brasil
Privatizado”, o risco de bolha imobiliária, após a vertiginosa alta dos
preços dos imóveis. Segundo o Banco
Central, o endividamento das famílias com o sistema financeiro alcançou, em
novembro, 42,51% da renda acumulada nos 12 meses anteriores.
Por fim, não contentes com os mercados cativos que
já têm, inclusive seguros e resseguros, os concentradores financeiros fizeram a
presidente da República pôr no Congresso, o fundo de previdência complementar
dos servidores públicos (FUNPRESP), mais uma etapa da privatização da
previdência, colocando as aposentadorias e pensões à mercê do cassino das
bolsas de valores.
O fato é que os juros praticados no
Brasil são os mais usurários do Planeta, e as finanças da grande maioria dos
brasileiros vai mal, pois os devedores perdem, cada vez mais, a capacidade de
quitar as prestações.
Em suma, atuais taxas de juros são
incompatíveis com a manutenção do volume do crédito no País. Ou seja: se elas
não baixarem, grande número de pessoas físicas e empresas não-oligopolistas não
mais terão condições de tomar crédito, e os bancos verão cair muito seu volume
de negócios.
Ademais, os bancos foram compensados pelo BACEN com a diminuição dos
depósitos compulsórios sobre os depósitos a prazo. Além disso, o BACEN
permite-lhes elevar em 10% (R$ 18 bilhões) o volume de seus financiamentos de
automóveis e veículos comerciais leves.
Assim, o governo prossegue
privilegiando dois dos setores poderosos, ambos controlados por grupos
concentradores, o dos bancos - em que a participação estrangeira segue
crescendo - e transnacionais estrangeiras montadoras de veículos.
O governo petista continua
favorecendo essas montadoras com repetidas baixas e isenções de impostos, como
voltou a fazer, há pouco. Parece querer, de qualquer maneira, fazer com que
essas transnacionais prossigam remetendo ao exterior lucros oficiais (sem falar
nos disfarçados) em montantes recordes, o último dos quais foram os US$ US$
5,58 bilhões em 2011, com aumento de 36,1% em relação a 2010.
Só os que não se indagam sobre a
essência das coisas, iludem-se com as aparências da democracia supostamente
instaurada em 1988.
A Constituição foi produto híbrido das articulações
reacionárias do Centrão e de avanços democráticos. Só que a maioria destes se
tornou letra morta. Além disso, os mais importantes foram suprimidos por
emendas constitucionais.
Outra não poderia
ter sido a evolução (involução), dadas as relações de poder real,
correspondentes às estruturas de mercado, econômicas e financeiras,
caracterizadas pela concentração e pela desnacionalização, muito grandes desde
o final dos anos 60.
Esse quadro não cessou de se agravar, foi
acelerado, de 1990 a 2002, e prossegue em marcha.
Isso lembra o
conceito de enteléquia, de Aristóteles: um princípio de “desenvolvimento” ou
programa (como um software), que contém, desde a origem, os elementos
conducentes à sua plena realização. No caso, um processo de degradação, como
uma doença degenerativa.
Na Constituição
promulgada em 1988, há, pelo menos, dois pontos incompatíveis com a soberania
nacional: o artigo 164 e a inserção fraudulenta –durante o processo da
Constituinte - do acréscimo ao art. 166, em seu parágrafo 3º.
O art. 164 sujeita o Tesouro – portanto a União
Federal e o próprio País – a endividar-se junto aos bancos privados e demais
concentradores de capital, pois: 1) dá ao Banco Central a competência exclusiva
para emitir moeda; 2) o dinheiro que o BACEN cria, só o pode repassar aos
bancos privados, sendo proibido de provê-lo ao Tesouro ou a qualquer ente
público.
O acréscimo ao § 3º
do art. 166 (“excluídas as que incidam sobre: a) ...; b) serviço da
dívida; c) ...”) libera os juros e amortizações da dívida dos
requisitos a que estão sujeitas outras despesas para serem autorizadas.
Em consequência
desses dispositivos e do desequilíbrio nas relações de poder econômico e
político, o serviço da dívida já nos custou, de 1989 a 2014, em moeda atualizada, mais de R$ 20 trilhões. Sim, mais de R$ 20.000.000.000.000,00, o
equivalente a quatro PIBs de 2014.
Apenas doze dealers (10 bancos e duas
distribuidoras de títulos) determinam as taxas efetivas dos juros dos títulos
públicos vários pontos percentuais acima da já injustificadamente elevada
SELIC, novamente em aumento, todo mês, desde novembro.
Embora só uma parte
dos mais de R$ 20 trilhões tenha sido paga com recursos tributários, a maior
parte é paga com a emissão de novos títulos do Tesouro. Por isso, a dívida
mobiliária interna cresce sempre e ultrapassou R$ 3 trilhões.
Muitos dos manipuladores da opinião publicada (como
diz o ex-ministro Roberto Amaral), negam os números reais do serviço da dívida,
pretextando que ela se paga com novos títulos do Tesouro, mas, se fossem
coerentes, deveriam negar também a própria dívida, pois foi assim que ela
cresceu.
Além do serviço da dívida, há mais mecanismos –
também escondidos do conhecimento público - através dos quais o Brasil se
descapitaliza em dezenas de trilhões de reais, a cada ano, e transfere renda em
favor dos concentradores, principalmente os sediados no exterior, estrangeiros
e brasileiros.
As eleições são
movidas a dinheiro grosso e pela corruptíssima grande mídia, que abusa da
exposição sensacionalista da corrupção, inerente ao sistema, como arma a
serviço dos interesses da oligarquia transnacional. E as propostas só tem
chances de ser aprovadas no Congresso, à base do “é dando que se recebe”.
É imperioso
fortalecer a Petrobrás, o maior dos patrimônios do País, bem como os
conglomerados privados nacionais que desenvolvem valiosas tecnologias, como
fornecedoras da Petrobrás e prestadoras de bens e serviços em áreas de igual
significação estratégica.
Não fazê-lo implica
decretar a queda do Brasil à condição de subdesenvolvido irrecuperável,
intensificando a política que vem destruindo o País, ao eliminar seu capital
humano e moldar a infra-estrutura segundo o interesse dos cartéis
transnacionais estrangeiros.
O modelo subjacente
a essa política determinou nulo ou pífio crescimento do produto interno bruto
(PIB), nos últimos anos, e ele teria sido muito negativo, não fossem os
desempenhos da Petrobrás, da mineração e da agricultura.
Ora, isso reflete a
desindustrialização, subproduto da desnacionalização da economia, que se
manifesta brutalmente, fazendo o Brasil regredir, de modo devastador, à
infra-estrutura colonial e desintegrar economia nacional
O minério de ferro
é explorado, há decênios, em quantidades absurdas, mesmo considerando as
fabulosas reservas do País, de resto, desnacionalizadas, desde a privatização
da Vale do Rio Doce, em 1997.
A Vale, que tem 85%
da produção brasileira, planeja chegar a 450 milhões de toneladas/ano até 2018.
A exportação do Brasil atingiu 340 milhões de tons/ano em 2014.
O que fica no País são buracos e poluição,
inclusive no caso dos minerais estratégicos como o nióbio e o quartzo, cujos
produtos finais são importados por cerca de cem vezes o preço dos insumos
exportados, afora o descaminho desses minérios e dos preciosos.
Enquanto a produção
de bens de alto valor agregado retrocede, a primária cresce. Um dos maiores
escândalos é a soja a ocupar 50% das terras em uso. De sua produção (90 milhões
de toneladas), 80% são exportados sem processamento e 10% transformados em
produtos de baixo valor agregado, como o farelo.
Sobra para o Brasil
o empobrecimento dos solos, com emprego excessivo de fertilizantes químicos e
de agrotóxicos, gasto descomunal de água, além da poluição de solo e águas.
Em suma, a desnacionalização da economia - dominada por cartéis aqui
instalados e por suas matrizes no exterior - acarreta prejuízos anuais ao País
assim estimáveis:
1)diferença entre a taxa de juros efetiva da dívida
pública e a adequada: 0,13 [13%] x R$ 2,5 trilhões = R$ 320 bilhões;
2) diferença entre a taxa média dos juros, no
crédito às empresas e pessoas físicas, e a que deveria prevalecer: 0,2 [20%] x
R$ 2,6 trilhões = R$ 520 bilhões;
3) sobre preços nos bens e serviços produzidos para
o mercado interno = 80% do PIB = R$ 4,2 trilhões;
4) sobre faturamento das importações de produtos
finais e insumos para a indústria, e de serviços: 60% de US$ 229 bilhões (bens)
= US$ 137,4 x 2,8 = R$ 385 bilhões + R$ 115 bilhões (serviços) = R$ 500
bilhões;
5) subfaturamento das exportações: 50% de US$ 225,1
bilhões = US$ 112,5 bilhões x 2,8 = R$ 315 bilhões;
6) perdas na relação de troca (terms of trade),
devidas à primarização da economia: importar, por preços até cem vezes
superiores, bens acabados produzidos com matérias-primas exportadas a preço
vil.
Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo.
Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras.